Com a invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão no início do século XIX, a família real fugiu para o Brasil. Alguns anos depois, nosso imperador Dom Pedro I estando às margens do Rio Ipiranga, em São Paulo, recebe uma carta solicitando seu retorno imediato à terrinha. Contrariado, resolve ali mesmo declarar a independência desta imensa colônia em que hoje habitamos.
Bastou um grito para nos separarmos definitivamente de Portugal. Diferentemente dos Estados Unidos que se revoltaram contra seu colonizador, a Inglaterra, em nosso processo de independência derramou-se menos sangue que o necessário para qualquer sujeito realizar um exame de glicose. O resultado foi o surgimento de uma nação pacífica e miscigenada, culturalmente rica chamada Brasil, que entre erros e acertos vai se moldando. E neste episódio, sem perceber, Dom Pedro bradou uma frase que é um verdadeiro dilema e tabú para o diabético: Independência ou Morte.
Separar-se da família e sair de casa para morar sozinho é fato corriqueiro e acontece milhares de vezes por dia em todos os lugares do mundo. As motivações são as mais diversas e por mais promissor que seja o futuro de quem toma a decisão de partir, ela nunca é fácil uma vez que certamente irá modificar o cotidiano ou comportamentos já solidificados gerando insegurança. Mas seria possível ao diabético tomar decisão semelhante?
Ao longo do último século, sobretudo na última década, aconteceu um revolução tecnológica inimaginável. A medicina e os demais ramos da ciência obtiveram valioso auxílio de novos equipamentos eletrônicos que proporcionaram obter um melhor conhecimento do corpo humano, de seus hormônios, da estrutura celular e de diversas outras substâncias até então desconhecidas. Entretanto, em se tratando de diabetes, apesar da maior frequência em surgir novos aparelhos para o monitoramento do nível de glicose no sangue, ainda não foi possível atingir sua cura ou prevenir de modo eficaz o seu aparecimento. Vive-se hoje quase da mesma forma que nossos avós diabéticos viviam.
Dentre os últimos equipamentos disponibilizados, não tão recentes assim, podemos destacar as bombas de infusão automática de insulina e os relógios medidores de glicose que, além de serem difíceis de se encontrar, possuem preço inacessível para a grande maioria dos diabéticos. O custo para se monitorar a diabetes, mesmo sem esses gadgets não é pequeno e uma economia nesta área torna seu controle menos eficaz. As insulinas cada vez mais modernas, chegam com preços também modernos e inflacionados, mesmo sendo produtos vitais e de uso contínuo. Para remediar este problema, o governo federal se propõe a oferecer tiras reagentes, seringas e insulina gratuitamente, entretanto com uma divulgação deficiente e locais de distribuição escassos, poucos são os beneficiários desta louvável iniciativa.
Apesar dos custos, a maior limitação para um bom controle da diabetes é o próprio diabético. Antes de tudo, ele é um ser humano que está sujeito a falhas, a doenças, ao cansaço, à fome, enfim, a vontades e desejos. A nova tecnologia ao menos contribuiu para acabar com a rotina em que costumeiramente conviviam. A insulina de ação rápida e a mais rápida obtenção do índice de glicose no sangue, chegaram para tentar transformar o diabético num ser mais normal possível, pois aparelhos como canetas injetoras e monitores minúsculos são bastante fáceis de carregar, libertando-o para acompanhar grupos, pessoas ou realizar viagens a países longínquos até mesmo com culinária exótica.
Porém toda esta tecnologia ainda não o libertou para viver uma vida solitária uma vez que a hipoglicemia continua a ser o grande fantasma que assombra o diabético do tipo 1 e, principalmente, sua família. Um pequeno equívoco no cálculo da dose de insulina a ser tomada, para mais, pode provocar graves consequências, levando-o até à morte. É sempre bom saber que ele, mais do que todos, corre perigo todos os dias de sua vida. Ciente da importância deste controle, deve se preocupar a cada aplicação de insulina, fazendo-o de forma ponderada e racional.

O estado de desorientação é um dos primeiros sintomas da hipoglicemia e, assim estando, o diabético praticamente encontra-se incapaz de tomar medidas saneadoras com o objetivo de retornar à sobriedade. Nestas horas entra em ação seu anjo da guarda, seja na forma de um companheiro, marido, esposa, pai, mãe, empregado, que costuma agir oferecendo-lhe algo para sua pronta recuperação. Casos frequentes de hipoglicemia devem ser estudados e são merecedores de acompanhamento médico e psicológico. Podem existir casos de diabéticos vivendo solitariamente, mas isto é somente para quem possui uma disciplina absolutamente rígida e regrada sem nunca modificar seus hábitos. Mas a cada dia o mundo atual nos propicia novidades que seduzem convidando-nos a vivenciar e compartilhar experiências fabulosas. Limitar-se a cumprir uma rotina não diria ser muito saudável. Muitos até achariam que uma vida longa deste jeito não é lá grandes coisas.
Diante disto, podemos concluir que a independência do diabético, em se considerando independência algo como morar sozinho, é bastante relativa e discutível. Porém se ele tiver um desejo enorme de viver assim, ele até pode cumprir sua vontade, mas deveria estar atento aos seus custos sabendo que a pior coisa que pode acontecer após a tomada desta decisão é sempre uma possibilidade que não deve ser descartada. Mesmo significando uma busca de autonomia, sair de casa para viver deste modo, é o tipo de atitude que deve ter o consentimento de todos que o cercam e lhe querem bem. O que se deve saber é que a independência de alguém não se limita a uma vida solitária ou mesmo está atrelada a uma boa condição financeira. Independência de verdade é não estar ligado a rotinas, dogmas, conceitos ou relações de consumo. Todos somos independentes na medida em que temos nossas próprias opiniões, ideias, convicções e vivemos com alegria e prazer, independente de estarmos sós ou acompanhados.
Ney Limonge – é psicanalista. Escreve o blog Psicoanalisando quando lhe sobra tempo e também o Blog da TiaBeth. Ele não tem diabetes.